quinta-feira, 18 de junho de 2009

Os Desesperados e Os Egoístas


Todos os dias, antes de dormir, muitas pessoas entrelaçam os dedos, miram suas pupilas para o horizonte ou para um crucifixo - quase sempre empoeirado-, e começam a rezar, a fim de agradecer a Deus por mais um dia de comida sobre a mesa, pelo teto quentinho que abriga, pela cama macia que conforta e, principalmente, por ter sobrevivido a mais vinte e quatro horas, mesmo que, por alguns minutos, tenham sentido o mundo desabar. Mas os desesperados não oram e, ao invés de agradecer, eles reclamam.
Acordam na madrugada, após mais um pesadelo, e sentem a respiração ofegante e os cento e cinqüenta e dois batimentos cardíacos por minuto, dando a certeza de que o cérebro ainda funciona, o sangue ainda circula e a vida continuará por, pelo menos, mais um momento, o que faz o dia iniciar infeliz. Levantam do colchão de molas, coberto pelo edredom de penas de ganso. Tomam uma xícara de leite marrom, devido às muitas colheres de achocolatado em pó. Comem o pão mais macio do supermercado, com a margarina mais cremosa, o queijo mais saboroso e o presunto mais caro. Vão para a universidade particular no carro de luxo preto, que causa inveja a qualquer um. Aliás, tudo causa inveja em qualquer um e, ainda assim, o dia começa infeliz.
O colchão de molas não deixa os desesperados descansarem, com todos esses malditos pesadelos, enquanto o edredom de penas de ganso apenas os esconde da tristeza de transformar um animal inocente em coberta. Não importa quantas colheres eles utilizem, o achocolatado jamais adoçará a amargura que sentem pela vida. O pão macio e os frios saborosos já não matam a fome, somente tornou-se um hábito. Não é na universidade que querem estar e preferem andar a pé ou de bicicleta.
Qual o objetivo da vida? Os desesperados não sabem o objetivo, todavia sabem exatamente o que fazer dela: estragá-la. Tantos pesadelos criados dos mais cruéis e inesquecíveis traumas. Ver os amigos que vêm e vão o tempo todo, afinal, amigos não são para sempre. E, quando tentam amadurecer, os desesperados aprendem com experiências, entretanto terminam à beira da loucura, com tanta experiência profundamente deprimente.
Todos os dias, antes de dormir, os desesperados levam as mãos à cabeça, deixam as lágrimas escorrerem sobre o nariz, pegam seus objetos cortantes, que fazem seu sangue derramar todas as noites e perguntam, não para Deus, que não existe, mas para si, o porquê de tanto sofrimento, por que ninguém é capaz de entender as coisas simples da vida, por que não amam, do que estão cansados, por que é tão difícil abrir a mente para novas coisas. E acordam durante a madrugada, com a respiração ofegante e o coração batendo cento e cinqüenta e duas vezes por minuto. Droga! O cérebro ainda funciona e o sangue ainda circula pelo corpo, porém por pouco tempo, porque os desesperados sempre têm a última atitude desesperada.
Os egoístas, infelizmente, soam o grito do alívio ao verem seus desesperados amados respirando. O egoísmo humano é tão cretino, que os egoístas preferem ver os desesperados sofrendo, para, assim, livrarem-se do seu próprio sofrimento, de perder seu querido sofredor. E quem sofre mais nessa porra? Os desesperados sofrem a ponto de quererem terminar com suas vidas. Os egoístas sofrem a ponto de impedir um desesperado a seguir sua vocação. Os desesperados devem viver para sofrer ou morrer e fazer com que um egoísta sofra? Vivendo, o desesperado vai chorar o resto da vida, enquanto o egoísta parará de derramar lágrimas assim que superar o ocorrido.

POR MARINA BRUCHARD

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